Blitz revela falta de enfermeiros em 82 por cento dos hospitais da PG e região
terça-feira, 2 de abril de 2013Uma fiscalização realizada em todas as unidades hospitalares da Baixada Santista, Litoral Norte e do Vale do Ribeira mostrou que, na maioria delas, o número de profissionais de enfermagem não é o suficiente para atender todos os pacientes e está abaixo do indicado pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren). Segundo os responsáveis pela vistoria, a falta de profissionais nas instituições resulta em diversos problemas de atendimento dentro das unidades médicas públicas e privadas da Baixada Santista.
A reportagem teve acesso ao relatório da vistoria, que foi realizada pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo entre setembro do ano passado e janeiro deste ano em 110 instituições médicas. Os fiscais verificaram diversos itens, todos ligados ao trabalho do profissional de enfermagem, em 27 cidades da Baixada Santista, Vale do Ribeira e Litoral Norte do Estado de São Paulo. Segundo o levantamento, quase 82% (90 das 110) das instituições apresentaram alguma irregularidade relativa ao número de profissionais de enfermagem e ao cálculo de dimensionamento, que determina esse número em cada unidade.
Segundo a vice presidente do Coren-SP, Fabíola Braga de Campos Mattozinho, um novo método foi adotado durante a última fiscalização. O objetivo, segundo ela, é que 100% das instituições fossem vistoriadas e o trabalho de fiscalização fosse mais eficiente e padronizado. “Hoje o fiscal faz a visita, faz a notificação, e dá o prazo para arrumar a situação. Se não tem o retorno nesse prazo, existem outros procedimentos. Tem que ter uma definição da situação da instituição e não simplesmente fazer a visita e deixar o levantamento guardado. Isso era o que acontecia antigamente”, explica Fabíola.
Na vistoria, os fiscais do Coren verificaram o quadro de profissionais de enfermagem e se este número é adequado aos serviços que a instituição oferece. Eles fizeram um cálculo, indicado pela na resolução 193 de 2004 do Conselho Federal, que determina a quantidade certa de profissionais de enfermagem dentro das unidades de saúde, que varia de acordo com o número de leitos e a classificação de risco dos pacientes. A chefe técnica da subseção Santos do Coren-SP, Penélope do Nascimento Lopes, que participou de todas as inspeções, explica essa regra. “Dentro de uma UTI você precisa de um número maior de profissionais do que em uma unidade de clinica cirúrgica, já que o risco desse paciente é menor”, explica.
Segundo as responsáveis pela fiscalização, a maioria dos hospitais, prontos socorros e prontos atendimentos avaliados estava com o número de profissionais abaixo do necessário. Em alguns locais não havia nem enfermeiros. “De todos os hospitais fiscalizados, a maioria não apresentou um cálculo adequado”, garante Fabíola.
As instituições onde são detectadas as irregularidades recebem uma notificação jurídica e é dado um prazo para uma adequação, que varia de 30 a 90 dias. Já quando há ausência de enfermeiro, o gestor tem o prazo máximo 30 dias para solucionar o problema. Quando a situação é relacionada à documentação, ele tem até 90 dias para regularizar o problema.
Caso os hospitais não se adequem, é realizada outra inspeção e, se a instituição permanecer com a mesma irregularidade, é feita uma notificação extra judicial. “Não tendo resultados, cabe uma ação civil pública, que pode chegar a interdição ética”, explica Fabíola. Atualmente, a chefia técnica do Coren na região não faz interdições de hospitais, mas pode vir a afastar os profissionais de enfermagem. A intenção é exigir que o gestor resolva o problema do quadro de profissionais para não prejudicar o atendimento ao público. “A gente não quer voltar em uma instituição que não resolve a situação, duas, três, quatro, cinco vezes e o problema é sempre o mesmo, ou seja, não contrata profissional”, afirma Penélope.
Ao todo, 39 unidades médicas da Baixada Santista, Vale do Ribeira e Litoral Norte apresentaram irregularidades referentes ao número de profissionais e 51 não apresentaram o cálculo de dimensionamento no ato da fiscalização. Santos é a cidade que apresentou o maior número de unidades irregulares. Para Fabíola e Penélope, isso acontece porque a cidade é referência em saúde na região e muitos pacientes acabam saindo dos municípios vizinhos para receberem atendimento em Santos. Entretanto, pequenas cidades do Litoral Norte e do Vale do Ribeira também apresentaram irregularidades. “A maior parte das cidades, cada uma com as suas particularidades, têm um quadro insuficientes de profissionais. É uma prestação direta. Porque se você não têm profissionais ou tem um número insuficiente, a assistência prestada corre um grande risco”, diz Fabíola.
Nova inspeção
Nos últimos dois meses, os fiscais voltaram as unidades que estavam irregulares e cerca de 30% continuavam apresentando os mesmos problemas anteriores. No total, 28 instituições continuaram não apresentando o dimensionamento de profissionais de enfermagem e em outras 12 foi constatado a ausência e/ou insuficiência de Profissionais de Enfermagem, sendo 10 da Baixada Santista e do Vale do Ribeira.
Troca de Funções
Ainda segundo a fiscalização, nem sempre o profissional que desempenha uma função tem qualificação necessária para aquele atendimento, mesmo cada um tendo uma atividade específica, o que também foi verificado nas instituições médicas. “Infelizmente, na região, a realidade ainda não é essa. O auxiliar de enfermagem ainda é utilizado para fazer esse tipo de atendimento porque é uma mão de obra mais barata, mas o técnico é quem tem uma formação para atuar, na verdade, em situações com uma complexidade maior”, explicaFabíola.
Ela fala que muitas vezes os auxiliares de enfermagem têm 20 pacientes para atender e não conseguem prestar uma assistência de qualidade. Em outras situações, o número de auxiliares de enfermagem é maior que o necessário, porém não há técnico e nem enfermeiro, ou então, o técnico de enfermagem está fazendo a função de um enfermeiro. “Várias situações já foram detectadas e aí é o momento do afastamento imediato. Isso acontece muito e muitas vezes os profissionais são coagidos a fazer isso e são assediados moralmente. Se ele negar, ele não tem emprego, e ele vai para a rua, e precisa alimentar a família. O mais forte acaba sempre oprimindo o mais fraco”, afirma a vice-presidente.
Profissional |
Função |
auxiliar de enfermagem | É voltado para atividades simples, menos complexas como administrar um medicamento |
técnico de enfermagem | Atribuições voltadas a pacientes com alto grau de complexidade e, por isso, costuma trabalhar em Unidades de Terapia Intensiva. |
enfermeiro | Faz a gestão desta equipe e tem a responsabilidade educativa e de direcionamento do plano de cuidados. |
Sobrecarga de Trabalho
Segundo Penélope, durante as fiscalizações, também foram detectadas irregularidades documentais. Ela acredita que isso é consequência da sobrecarga de trabalho e falta de outros colegas. “A insuficiência de profissionais gera que ele deixe as anotações de lado, que o enfermeiro, como atende o maior número de pacientes, não vá fazer o serviço que é exclusivo dele, que é o de sistematização. Todas essas outras irregularidades são geradas pela insuficiência de profissional”, afirma Penélope.
Reclamações por parte dos profissionais de enfermagem em termos de más condições de trabalho são frequentes no Conselho Regional de Enfermagem. As principais queixas estão relacionadas à sobrecarga de trabalho e a carga horária inadequada. Segundo Fabíola, essa é uma das causas de afastamento. “Você tem um limite físico de atuação. Imagina você trabalhar em um local que você tem uma sobrecarga de trabalho, que não tem outro colega e você tem ainda uma carga exaustiva. No final desse plantão você não tem a mesma força física e o entendimento que você tem no início”, critica. Há também reclamações relacionadas ao baixo salário, o que obriga muito deles a sair de um serviço de 12h e ir para outro. “A gente entende que a questão trabalhista tem total consequência na condição de trabalho e de prestar atendimento. Recebemos telefonemas e solicitações por escrito”, diz Fabíola.
Os profissionais de enfermagem acabam sendo culpados por erros na saúde pública e privada já que no maior contingente de profissionais dentro dos hospitais são eles que estão ao lado do paciente e são responsáveis pelo cuidado deles. Mas, de acordo com a vice presidente, os erros na área são um assunto que eles evitam comentar, já que as falhas estão ligadas a problemas dentro da instituição médica e é algo que vai muito além do conhecimento. “Quais são os fatores: condições de trabalho inadequadas, sobrecarga de trabalho, falta de material, falta de equipamento necessário, mas ai é uma linha de atuação da vigilância sanitária. Mas são situações que, no final, quem é o profissional que atende no último momento é o profissional de enfermagem”, afirma a chefe técnica Penélope.
Resultados
Segundo o Coren, as irregularidades apresentadas nas instituições da Baixada Santista comprovam que é preciso mais atenção ao profissional de enfermagem por parte dos gestores. Cerca de 80% na assistência à saúde é realizada por eles, que permanecem 24h na instituição. Após a primeira vistoria, os fiscais esperam poder cobrar melhorias das instituições sem ter que chegar a interdição ética dos profissionais, que vai fazer com que não haja o atendimento do local pois não vai haver profissional de enfermagem para trabalhar. “A gente espera que dentro do procedimento de fiscalização, os apontamentos que estão sendo feitos façam com que os gestores entendam a necessidade eminente de investimento nesses profissionais”, fala Fabíola.
Para a vice presidente do Coren-SP, é importante dar mais atenção para a categoria, senão, quem responderá por isso será a sociedade com o atendimento precário. “Você economizar para contratar as pessoas, economizar para dar um salário digno, vai ter um reflexo direto no ser humano. O ser humano é aquele que ele assiste, é o munícipe ou é aquele usuário do sistema de saúde ou pode ser também seu familiar, seu amigo, ainda mais como uma cidade como a nossa, em Santos, que estão sempre tão próximos uns aos outros”, finaliza Fabíola.
A Reportagem entrou em contato com os 10 hospitais da Baixada Santista e do Vale do Ribeira que continuam irregulares mesmo após a segunda inspeção. Confira a seguir as justificativas:
1. Hospital Irmã Dulce – Praia Grande
O Hospital Municipal Irmã Dulce está em processo de seleção de profissionais de enfermagem especializados. O hospital recebeu a visita do Coren no dia 6 de março, quando foram apresentadas as documentações solicitadas.
2. Hospital Canto do Forte – Praia Grande
O Hospital Canto do Forte confirmou que no último dia 15 houve inspeção na instituição. No que refere-se à contratação de profissional, o Hospital esclarece que o processo seletivo já está em curso e agora está concluído. A outra irregularidade apontada, porém, refere-se a um Protocolo agora exigido para a Enfermagem. O Hospital na cidade de Praia Grande diz que não aplicava o protocolo à espera do curso de capacitação que será ministrado pelo Coren, o qual, segundo a fiscal que inspecionou a instituição, deverá ocorrer em abril.
Fonte: G1